Dr. Alberto Duringer - Médico
Conselheiro no Conselho Estadual de Entorpecentes - Ex Diretor do Hospital Central da PolÃcia Militar (RJ)
Um candidato a emprego que bebe antes de sua entrevista, mesmo sabendo que isto vai prejudicá-lo, certamente vai beber de novo ao não ser escolhido, desta vez para anestesiar sua frustração.
Neste exemplo de um comportamento alcoólico, houve medo, insegurança e depois orgulho ferido, funcionando como gatilhos emocionais que despertaram uma compulsão para beber alicerces emocionais da dependência psÃquica ao álcool etÃlico. Ela costuma surgir quando já está instalado um certo grau de dependência quÃmica, uma doença primária na qual os neurônios do indivÃduo aprenderam a reagir de modo diferente ao álcool a cada vez que bebe, seja por uma adaptação da célula nervosa ao etanol, seja por novas combinações surgidas entre o álcool e diversos neurotransmissores.
Uma quÃmica muito complexa, que começa a ser desvendada, mas que em termos práticos, é responsável pelos sintomas desagradáveis da abstinência, que só se aplaca bebendo de novo.
Este adoecimento fÃsico já havia sido intuÃdo em 1934 pelo psiquiatra americano Dr. Silkworth, que o comparava a uma espécie de alergia e como tal colocado por Bill W. no Livro Grande de Alcoólicos Anônimos. Depois da dependência quÃmica e da psicológica, vem ainda a perda de valores ético morais, terminando o alcoólico que continua bebendo sendo portador de uma doença fÃsica, emocional e espiritual, de evolução quase sempre lenta, mas progressiva e fatal.
Portanto, somente parar de beber não basta: interrompe apenas a evolução da parte fÃsica da enfermidade. Para continuar se recuperando, o alcoólico deverá modificar a maneira como reage à s suas emoções, pensamentos e valores, fazendo uma reformulação interior, que no programa de A. A. significa fazer os Passos Quarto, Quinto, Sexto e Sétimo de A.A.
Para se mudar qualquer coisa, primeiro é preciso identificar o que é que necessita ser mudado. Portanto tudo começa com um inventário moral minucioso e honesto, isto é, sem manipulações, do qual fazem parte:
1- Detecção de comportamentos e atitudes autodestrutivas, ou prejudiciais em qualquer aspecto de sua vida pessoal, afetiva, social e laborativa, com identificação dos instintos exacerbados que os motivaram.
2- Detecção também de qualidades e potencialidades que todo ser humano tem, mas que o alcoólico por vezes não enxerga, mergulhado num mar de autopiedade e baixa estima.
3- Aceitação de seu passado como sendo coisa que pode ser lembrada, sem se sentir esmagado por culpas e vergonhas.
4- Detecção dos gatilhos emocionais que o levavam a beber, tentando se lembrar do que estava sentindo ANTES de seus porres. Ajudam nesta honesta pesquisa de conhecimento interior, fazer-se perguntas do tipo com quem estava ou tinha estado, o que havia acontecido, quando, aonde, como, porquê, tentando identificar seus sentimentos antes de começar a beber e aà anotá-los para melhor reflexão.
Em nossa opinião, o Quarto Passo é antes de tudo um inventário alcoólico, não cabendo de inÃcio uma investigação psicoanalÃtica da personalidade, que aliás está profundamente distorcida por todo o tipo de manipulações próprias à doença.
O Quarto Passo não é panacéia, nem remédio milagroso, já que pode trazer sofrimento na medida em que o alcoólico se confronta com suas culpas e vergonhas. Com freqüência o alÃvio pode surgir muito mais adiante, após o Sétimo Passo e, por isso, nem sempre um Quarto Passo muito precoce é útil. Muitos alcoólicos lucram mais, de inÃcio, ganhando experiências e assistindo intensiva-mente reuniões de recuperação, aprendendo assim a melhor lidar com este possÃvel sofrimento:
. Ouvindo a história dos outros, onde pode se ver retratado, inclusive lembrando-se de coisas que estavam esquecidas no seu subconsciente.
. Contando a própria história e assim lembrando de sentimentos ligados e experiências penosas: é o que se chama catarse emocional, em que a culpa é substituÃda por uma noção de responsabilidade.
. Sendo apadrinhado por outro membro de AA. Um bom padrinho pode ajudar o alcoólico a lembrar seu passado como ele realmente foi e não como, na sua fantasia, julga ter sido.
Note-se que culpa e vergonha não são exatamente a mesma coisa. A culpa po-de ser medida e comparada com experiências vividas por outras pessoas. Por exemplo, quando um alcoólico diz em seu depoimento, que se sente culpado por não ter dado a devida atenção à sua famÃlia na época em que bebia, outro que está sentado ouvindo, pode medir e comparar, pensando “é verdade, eu também sinto a mesma culpa".
Já a vergonha é absolutamente individual e se refere a situações penosas que o alcoólico detesta relembrar e que procura tirar da memória, fazendo de conta não tivessem acontecido. Quando ele pensa que esqueceu o assunto, uma palavra, um gesto, uma situação traz todo o fato de volta ao consciente, com maior ou menor sofrimento. Para as vergonhas de cada um, o programa de A. A. sugere o Quinto Passo. Elas são como se fossem um abscesso da alma, que só vai curar depois de aberto, drenado com a saÃda de todo o pus.
O Quinto Passo é um canal de entendimento direto entre o alcoólico e um Poder Superior, no qual outro ser humano entra como testemunha, para evitar manipulações e no qual o alcoólico admite, verbaliza e introjeta suas vergo-nhas, para em seguida se autoperdoar.
Passando ao Sexto Passo, o alcoólico deve dispor-se a mudar aquilo que detectou nos passos anteriores, a nÃvel de pensamentos aditivos, emoções prejudiciais e comportamentos autodestrutivos.
Entende-se por pensamentos aditivos, aqueles que se desenvolveram nos anos de bebedeira, época em que ele agia sob influência da primeira emoção descontrolada que lhe viesse à cabeça e quando as coisas não davam certo, atribuÃa a culpa sempre aos outros.
Em outras palavras, emoção sempre acima da razão. Por isso em centros de recuperação, exercita-se uma estratégia de pensamento não aditivo, recolocando a razão acima da emoção e que, em reuniões de grupo, consiste em:
. Identificar e entender objetivamente algum problema, colocado pelo terapeuta.
. Examinar alternativas, em um mÃnimo de três alcoólicos vÃtimas de pensamentos aditivos julgam que para cada problema só pode existir uma solução e ficam surpresos ao constatar que na realidade, sempre existem várias.
. Escolher a melhor alternativa e agir.
. Avaliar o resultado. Se deu certo, ótimo. Se não deu, também muito bom, pe-lo menos aprendeu-se que a solução escolhida não foi a melhor para aquele tipo de problema e na próxima vez, deve-se escolher outra.
Para completar este processo de reformulação interna é preciso finalmente a ação de mudar, o que ocorre no Sétimo Passo. No processo de mudança, deve-se ficar atento para o fato de que elas sempre desencadeiam uma reação de medo/insegurança, absolutamente normal em qualquer ser humano. O perigo agora reside na negação do medo. Antigamente o alcoólico negava seu alcoolismo, agora tende a negar suas inseguranças, fazendo inclusive depoimentos cor de rosa, afirmando tudo estar bem na vida dele, só porque parou de beber. Em seguida, manipula e racionaliza, dizendo que já que tudo está tão bem, realmente não é preciso mudar coisa alguma de seu comportamento. Finalmente, volta o sentimento de onipotência, em que ele acha que pode resolver qualquer coisa, sem ajuda de ninguém.
Esta conduta leva o alcoólico a ficar adiando indefinidamente suas modificações interiores, o que pode trazer sofrimento, mesmo que ele não volte a beber.
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